segunda-feira, 23 de maio de 2016

"por mares nunca dantes navegados"

OS LUSIADAS
Luis Vaz de Camões

"Por mares nunca dantes navegados"
          Os Lusíadas é a obra épica ou também conhecida por epopéia publicada em 1572 em que Camões por meio de uma narrativa escrita em versos narram as proezas e conquistas dos grandes heróis portugueses, dando destaque as Viagem heróicas de Portugal conquistadas por Vasco da Gama, sendo considerado o maior poema épico português renascentista.
          A obra foi uma dedicatória a D. Sebastião, composto por 10 cantos, 1101 estrofes em oitava rima e 8816 versos decassílabos.

          A palavra lusíadas significa “lusitanos”, sendo assim Os Lusíadas são os próprios lusos (portugueses). O herói da epopéia é o próprio povo português e não apenas Vasco da Gama, como pode parecer ao fazer uma leitura superficial da obra, por exemplo no trecho que ao cantar “as armas e os barões assinalados” que navegaram “por mares nunca dantes navegados”, Camões engloba todo o povo lusitano navegador, que enfrentou a morte pelos mares desconhecidos, portanto uma obra de heróis coletivos gladiados não só por Vasco da Gama, mas também por todos os português que deram e arriscaram suas vidas as conquistas de Portugal.
          O poeta deixou expresso o tema da epopéia já nas duas primeiras estrofes: a glória do povo navegador português, que conquistou as Índias e edificou o Império Português no Oriente, bem como a memória dos reis portugueses que tentaram ampliar o Império.
          Paralelamente à ação histórica do poema, há uma ação mitológica: a luta que travam os deuses do no plano mísitco em favor (Vênus e Marte) ou contra (Baco e Netuno) os portugueses.
Estrutura do poema

          Assim como determina a tradição clássica, a epopéia de Camões é dividida em cinco partes: proposição, invocação, dedicatória, narração e epílogo.

- Proposição (canto I, estrofes 1 a 3): É a exposição do assunto do poema, ou seja, do que o poema falará. Nela o poeta se propõe a cantar os feitos heroicos dos soldados e navegadores portugueses, bem como a memória dos reis portugueses que expandiram as fronteiras lusas e a fé cristã.

I
As armas e os barões assinalados
Que, da ocidental praia lusitana,
Por mares nunca dantes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo reino, que tanto sublimaram.

II
E também as memórias gloriosas
Daqueles reis que foram dilatando
A Fé, o Império e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valorosas
Se vão da lei da Morte libertando:
Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e a arte.

- Invocação (canto I, estrofes 4 e 5): Nesse momento o poeta pede inspiração às musas. No caso da epopeia de Camões, as musas não serão nenhuma representante da tradição clássica. O poeta escolhe como fonte de inspiração as ninfas do rio Tejo (rio português), chamadas por ele de Tágides. Nesse sentido, podemos dizer que Camões nacionaliza suas musas.

IV
E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mim um novo engenho ardente
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mim vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto, e sublimado,
Um estilo grandíloquo e corrente,
Por que de vossas águas Febo ordene,
Que não tenham inveja às de Hipocrene.


- Dedicatória (canto I, estrofes 6 a 18): Camões dedicou seu poema ao rei D. Sebastião, seu protetor e a quem se deve a publicação do livro. Nas estrofes dedicadas ao rei, o poeta faz menção à juventude de D. Sebastião, que, por não haver outro herdeiro legítimo do trono, assumiu o império com apenas quatorze anos. O poeta também se refere à extensão alcançada pelo Império português.

VII
Vós, tenro e novo ramo florescente
De uma árvore, de Cristo mais amada
Que nenhuma nascida no Ocidente,
Cesárea ou Cristianíssima chamada,
Vede-o no vosso escudo, que presente
Vos mostra a vitória já passada,
Na qual vos deu por armas e deixou
As que Ele para si na Cruz tomou;

VIII
Vós, poderoso rei, cujo alto império
O Sol, logo em nascendo, vê primeiro;
Vê-o também no meio do Hemisfério,
E quando desce, o deixa derradeiro;
Vós, que esperamos jugo e vitupério
Do torpe Ismaelita cavaleiro,
Do Turco Oriental e do Gêntio
Que ainda bebe o licor do santo Rio.

(...)

X
(...)
Ouvi: vereis o nome engrandecido
Daqueles de quem sois senhor supremo,
E julgareis qual é mais excelente,
Se ser do mundo Rei, se de tal gente.

- Narração:
A ação do poema começa quando os navegantes já estão no meio do Oceano Índico. Paralelamente, os deuses reúnem-se no Olimpo para decidirem o futuro dos ousados portugueses. A história se desenvolve então em dois eixos: o mitológico, marcado pela intervenção dos deuses, e o histórico, este subdividido em duas ações: a viagem de Vasco da Gama às Índias, que liga todas as outras ações, e a narrativa da história de Portugal, narrada por meio do discurso de Vasco da Gama, quando este a conta ao rei de Melinde, e por seu irmão, Paulo da Gama, quando explica a uma autoridade oriental o significado das figuras desenhadas nas bandeiras das naus.

Entre os deuses, os portugueses têm por inimigo Baco, deus do Oriente, que por temer perder sua glória arma ciladas contra os navegadores, mas estes são salvos graças à intervenção de Vênus e à coragem de Vasco da Gama.

O plano mitológico e o plano histórico, o mundo dos deuses e o mundo dos homens, foram mantidos por Camões separados ao longo do poema, até que essas duas esferas, divina e humana, encontram-se no episódio da “Ilha dos Amores” (cantos IX e X). Vitoriosos em sua missão, os nautas portugueses são recompensados pelas ninfas da ilha dos amores.

- Epílogo: Conclusão do poema, contém um fecho dramático e pessimista sobre o futuro da Nação portuguesa. O poeta lamenta a decadência de seu país e do povo português que, cego pela cobiça e pelas suas glórias, esqueceu-se dos valores nacionalistas. O eu-lírico desabafa melancolicamente que, apesar dos grandes feitos narrados, entristece-se que tenha cantado “a gente surda e endurecida”. Esse tom crítico e desencantado parece ser uma premonição da derrocada sofrida, pouco depois, por Portugal, que, derrotada na batalha de Alcácer-Quibir, foi submetida ao domínio espanhol. Nesse sentido, o epílogo de Os lusíadas contrapõe-se com o tom ufanista com que se desenvolveu toda a trama, mais uma característica que difere a obra da epopeia clássica. Também podemos dizer que no epílogo do poema de Camões há uma atitude subjetiva do poeta que desabafa sobre os seus próprios conflitos íntimos e da vida de privações que teve nos seus últimos dias de vida.


Não mais, Musa, não mais que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Duma austera, apagada e vil tristeza.


 





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